A comédia do tempo

Em A Lentidão Milan Kundera retoma seu estilo musical de construção de romances: escolhe alguns temas e lança personagens e acontecimentos como se fossem notas para desenvolver os temas propostos. Aqui os temas são hedonismo, lentidão contra rapidez e o agir dos “bailarinos”, um tema discutido entre os personagens Vincent e Pontevin. Bailarinos seriam pessoas que agem para a plateia, em busca de uma aprovação, algo cada vez mais frequente. Escrito no início da década de noventa, Kundera parece antever a era das redes sociais.

O romance começa com o próprio autor viajando com sua esposa para um castelo que se tornou hotel. No caminho, percebem motociclistas em alta velocidade e o diálogo que daí surge cria o motor da narrativa. O homem corre descuidado sobre uma moto porque o motor o faz esquecer de si mesmo, do próprio peso, enquanto correr a pé o faria lembrar ainda mais do próprio corpo. Daí surge a tese acerca da lentidão: existiria uma equação que torna proporcional a velocidade e o esquecimento: quanto mais rápido, maior o esquecimento. Kundera então contrapõe dois tempos, o libertino século XVIII e o confuso século XX, através da relação entre personagens de um romance daquele século, atribuído a Vivant Denon, com os seus próprios personagens, que alcançam o auge da tragicomédia durante um congresso de entomologia.

Na Europa de fins de século XX (e o mundo ocidental que veio daí), o hedonismo surge como uma farsa: é mais importante parecer libertino que de fato gozar com a libertinagem. Em certo momento do romance, Vera, esposa do autor, passa a ter pesadelos com os personagens que ele está imaginando, e afirma ser perigoso criar um romance que seja pura brincadeira sem sentido. A Lentidão, contudo, tem um sentido profundo: parece uma paródia da famosa frase de Marx, que poderia ser assim descrita quando um personagem do romance do século XVIII encontra Vincent e ambos tentam convencer um ao outro de que acabam de ter uma noite fantástica: “A história se repete, primeiro como farsa, depois como comédia.”

 

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